Escritos do padre Léon Dehon, fundador dos padres do Sagrado Coração de Jesus, serão agora avaliados por uma comissão
de cardeais
Numa decisão inédita, o Papa Bento XVI suspendeu a
beatificação do padre francês Leão Dehon, que chegou a estar marcada
para dia 24 de Abril, mandando investigar alegadas acusações de
anti-semitismo nos seus escritos. Fundador, em 1877, dos padres do
Sagrado Coração de Jesus (SCJ), o caso do padre Dehon será agora
reavaliado por uma comissão que o Papa instituiu depois de um alerta dos
bispos franceses.
O adiamento da cerimónia foi motivado, em
primeiro lugar, pela morte de João Paulo II, a 2 de Abril, e a posterior
eleição de Bento XVI. Agora, com a decisão do novo Papa, a causa terá
que ser reavaliada. Ainda durante esta semana, o superior-geral dos mais
de 2200 dehonianos que existem no mundo, o português José Ornelas
Carvalho, deverá dirigir à comissão uma carta a expor os argumentos da
congregação fundada por Dehon, soube o PÚBLICO junto do superior da
província portuguesa dos padres do SCJ.
De acordo com o padre Manuel
Barbosa, os textos do padre Dehon estão publicados, são conhecidos e,
por isso, o assunto será "resolvido", acredita o responsável dos cerca
de 100 dehonianos portugueses. "Não há nada de especial, haverá um certo
empolamento no caso", acrescenta, para justificar o facto de não querer
fazer comentários sobre o assunto. "Agora é melhor esperar que a
comissão trabalhe", diz o padre Barbosa.
As alegações surgiram com o
historiador francês Dominique Durand, que, já em Fevereiro, terá
alertado os bispos do país para alguns escritos do padre Dehon
alegadamente anti-semitas. No seu Catecismo Social, de 1898, Léon Dehon
escrevia que os judeus "mantiveram a sua aversão a Cristo e, em
consequência disso, lutam contra as acções da Igreja em todo o lado". Ao
mesmo tempo, os judeus "favorecem todos os inimigos da Igreja",
escrevia o padre Dehon, de acordo com uma cópia do texto da Conferência
dos Bispos Franceses citado pela Associated Press.
Em declarações à
mesma agência, Durand contou que a questão surgiu quase casualmente: ao
cruzar-se com um bispo, o historiador disse-lhe que a Igreja poderia vir
a ter "problemas" com a beatificação. "Os bispos reagiram então muito
rapidamente. Entenderam que não era bom que isso acontecesse", explicou o
investigador, professor de História Religiosa Contemporânea na
Universidade de Lyon III e que já foi conselheiro cultural da embaixada
francesa junto da Santa Sé, entre 1998 e 2002.
"Quando se beatifica
Madre Teresa, isso significa que a Igreja quer dizer aos cristãos que
Madre Teresa é um exemplo", diz o historiador. "O risco de beatificar o
padre Dehon é dizer aos católicos que o anti-semitismo não é uma questão
séria." Considerando assinalável a suspensão, Dominique Durand diz que,
uma vez decidida, a beatificação "vai sempre até ao fim". "Isto é
completamente invulgar."
Afirmações têm que ser lidas no contexto da época
De
acordo com o jornal La Croix, Dehon escreveu que o Talmude, livro que
fixa a literatura judaica rabínica dos seis primeiros séculos da era
cristã, é um "manual do bandido, corruptor e destruidor social" e que o
anti-semitismo é um "sinal de esperança". Segundo o mesmo jornal, o
superior dos dehonianos em França contesta as acusações, dizendo que as
afirmações tinham que ser lidas no contexto da época em que foram
escritas. "O padre Dehon era um homem cheio de amor", afirmou o padre
Joseph.
Léon Dehon viveu entre 1843 e 1925, numa altura em que o
anti-semitismo cresceu na Europa. Foi ordenado padre em 1868 e fundou a
congregação religiosa com o objectivo de ajudar os mais necessitados e
de suprir as necessidades pastorais da Igreja Católica.
Os escritos
de Dehon tinham já sido aprovados por duas vezes, em 1960 e em 1971, por
um grupo de teólogos. A comissão agora constituída é composta pelos
cardeais José Saraiva Martins, o português que preside à Congregação
para a Causa dos Santos; Paul Poupard, francês, que preside ao Conselho
Pontifício para a Cultura; Georges Cottier, teólogo pessoal do anterior
Papa, João Paulo II; e o francês Roger Etchegaray, ex-presidente do
Conselho Pontifício Justiça e Paz. A primeira reunião realiza-se na
próxima sexta-feira.
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